Negro ou Preto? Por favor, eu tenho nome!

Alyne Cristine
3 min readOct 6, 2020

--

“Quando estou escrevendo e quando outras mulheres negras estão escrevendo, me vem à memória a função que as mulheres africanas — dentro das casas-grandes, escravizadas — tinham de contar histórias para adormecer a casa-grande. Eram histórias para adormecer. Nossos textos tentam borrar essa imagem. Nós não escrevemos para adormecer os da casa-grande, pelo contrário, é para acordá-los dos seus sonos injustos” (EVARISTO, TV Brasil, 2017).

Iniciativas voltadas para tirar expressões problemáticas ligadas a negritude estão na moda e elas mostram a obsessão das marcas, empresas e pessoas brancas em não parecerem racistas ao invés de realizar ações para deixarem de ser. Nada de processos seletivos realmente inclusivos, nada de aulas para a equipe deixar de ser racista, nada de investimentos em projetos. Com um simples aperto de botão, deixou de ser racista.

Aliás, perceberam o quanto é fácil deixar de ser racista hoje em dia? Mesmo quando a estrutura da sua empresa é problemática e comandada por pessoas brancas? É só abrir processo de trainee (o que é incrível, mas é algo que DEVE ser normalizado), abrir o Instagram para algum influenciador negro produzir conteúdo, elogiar alguma personalidade negra e por ai vai.

Você pode estar se perguntando: mas então o que de fato ela quer? processo de trainee tá errado? trocar o nome de campanha é errado?

Obviamente não, mas essas são atitudes superficiais para problemas complexos que demandam interesse e insumos.

Essa necessidade de resolver problemas de forma superficial das empresas têm muito em em comum com o restante da sociedade brasileira: a falta de autocrítica.

Em uma pesquisa realizada pela Folha, lááá em meados de 2001 — ah o frescor de início de milênio rs — foi questionado para algumas pessoas, quem se considera racista vs quem conhece um racista. O resultado mostrou que 99% não se considera racista e os mesmos 99% reconheceram conhecer alguém racista. Ou seja, todo mundo tirou o barco fora e não se propôs fazer uma autocrítica relacionada ao racismo.

Essa falta de autocrítica da branquitude ainda é uma realidade e se mostra presente em diversas esferas da sociedade brasileira. Nos almoços de família, nos encontros entre amigos, nas empresas e claro, nos diálogos cotidianos no geral.

Falando sobre minha experiência profissional como pessoa negra, toda semana aparece alguém no meu whatsapp ou no direct perguntando: isso aqui é racista? posso falar isso e não ser visto como racista? como posso propor isso e a pessoa não achar que sou racista? se eu fizer isso serei racista?

Ps: se você é negro e não recebeu mensagem de brancos na época das manifestações do Black Lives Matter você está no ciclo certo de amizades e relacionamentos.

Eu realmente poderia achar essa preocupação positiva, mas ela mostra apenas duas coisas: a obsessão em não parecer racista e a falta de interesse em ler e aprender sobre grupos não brancos. Veja, se você é uma pessoa branca que deseja repensar o seu racismo pode consumir livros que abordam a temática, produções de audiovisual, entrevista com intelectuais e ativistas, aulas presenciais e virtuais sobre a temática ou em diálogo aberto com pessoas brancas do seu ciclo. Você vai se responsabilizar sobre seu aprendizado e saberá dialogar de maneira digna, sem falsa ingenuidade.

Pergunte-se e responda com muita sinceridade: porque você tem tanto medo de cutucar o seu racismo e demais preconceitos? A resposta provavelmente é que incomoda, e incomoda muito se colocar como sujeito que já propiciou a violência que é o racismo, mesmo que em coisas simples como naquele olhar de susto quando uma pessoa negra entrou no seu espaço predominantemente branco ou naquele riso que você soltou quando seu colega fez uma piada racista.

O que quero dizer (na verdade, gostaria de gritar) para pessoas brancas é: saibam se responsabilizar pelo seu próprio aprendizado e mais do que isso, repense e exercite suas provocativas em relação à temática.

No mais, quero deixar como desafio: tente puxar assunto com alguém branco do seu círculo sobre negritude e veja o tom do diálogo e o nível de interesse da pessoa que está conversando sobre isso com você. O que você e ela podem acrescentar a luta? Essa pessoa está ouvindo com atenção? Ela tem alguma leitura ou personalidade para compartilhar com você? Quais conteúdos vocês compartilham entre si que possuem pessoas negras?

Tente. Questione. Ouça. Verbalize. Dê nome.

--

--

Alyne Cristine

Jornalista, fã de comunicação e audiovisual, hard user das redes sociais, analista de social selling numa multinacional de beleza e suburbana convicta